A ideia de criar um material que comportasse tantas temáticas complexas como as que nossa HQ retrata nasceu do desejo do fazer o bem. A inspiração de fato foi multidirecional, contudo, sua gênesis parte das vivências e percepções do autor acerca dos temas contidos na HQ. Falar sobre um sentimento de melancolia e tristeza profunda não é algo simples, não é acordado em dicionários ou eficientemente descrito em enciclopédias. Falar de automutilação e de suicídio requer cuidado, maturidade e, no nosso caso, a experiência de perto. O fato de eu ter passado um longo período deprimido e sem forças trouxe inquietude a respeito dos temas. Eu, com ajuda especializada e compreensão de familiares e amigos, superei um dos momentos mais difíceis da minha vida e por isso senti a necessidade de contribuir socialmente. Ouvi muitas histórias semelhantes à minha; tive por perto pessoas que passaram pela dor da depressão, que tinham como escape a violência autoprovocada e algumas visavam, como única solução, a morte. Tudo isso poderia ter sido deixado de lado; eu poderia seguir bem com a minha vida após ter me recuperado do estado depressivo, contudo, fiz dessas experiências um combustível para dar início à empreitada de construir nosso material de prevenção. Sou grato pelas conversas e desabafos de surdos e ouvintes, pois, através deles, pude entender como era necessário dar o primeiro passo. Meus diálogos foram de início com ouvintes, jovens e adolescentes como eu que, ao som de Legião urbana e outros estilos mais melancólicos, buscávamos acalmar ou mascarar o que acontecia internamente, aquilo que só nós, que passamos por isso, sabemos o que é, como é e como não é.
Contudo, o despertar para a criação dessa Hq bilíngue veio pelo refletir da minha profissão, graduação e convivência latente com a comunidade surda. Ora, se falar sobre suicídio com quem ouve já é tido como tabu e muitas vezes o assunto é deixado de lado por estigmas sociais, quem dirá falar de suicídio para um povo que não é visto, não tem voz e nem o mínimo de chances de pedir socorro, pois não conta com acesso fácil a um profissional da saúde que seja sinalizante. Bem, quando dei por mim, já estava imerso em possibilidades de trabalhar com prevenção de automutilação e suicídio com surdos. Através de pesquisas e muitas leituras, foi possível constatar que os temas eram presentes em nosso país e que os dados eram alarmantes. Embora não tivéssemos dados que comportassem os surdos brasileiros, talvez pela falta de aptidão em notificar tais casos, não era difícil inferir que essa comunidade, tão fragilizada e violentada pelo estado, estava sofrendo com esses tormentos psicológicos e carecia fazer parte da agenda de prevenção ao suicídio e violência autoprovocada no nosso país.